Famílias Brasileiras no Exterior: Como Organizar o Planejamento Sucessório entre Dois ou Mais Países

Famílias Brasileiras no Exterior: Como Organizar o Planejamento Sucessório entre Dois ou Mais Países

Maria é brasileira, casada com um francês, mãe de dois filhos com dupla nacionalidade, mora em Lisboa e possui imóveis no Brasil e em Portugal. Seu marido tem investimentos na Suíça e, juntos, gerenciam uma empresa digital registrada na Estônia.

Esse perfil — até recentemente considerado exceção — é cada vez mais comum entre famílias brasileiras globais.

Mas o que muitos ainda ignoram é que, nesse contexto, a ausência de um Planejamento Patrimonial e Sucessório Internacional (PPPI) pode gerar:

  • Tributação dupla

  • Bloqueio de bens em inventários paralelos

  • Conflitos entre herdeiros em diferentes jurisdições

Neste artigo, vamos mostrar como famílias com vínculos internacionais podem se organizar desde já, com soluções práticas, acessíveis e alinhadas à legislação de mais de um país.


1. O Desafio do Inventário Internacional

1.1. Inventários múltiplos e burocracia global

Quando uma pessoa falece possuindo bens em diferentes países, é comum que:

  • Um inventário ocorra no país de residência

  • E outros processos sejam exigidos em cada país onde houver patrimônio

Exemplo clássico:

  • Inventário judicial no Brasil (por causa de imóveis)

  • Processo de herança na França (por residência)

  • Certidões traduzidas, apostiladas e demoradas

Resultado: desgaste emocional, perda de tempo e altos custos jurídicos.

1.2. Insegurança jurídica entre legislações divergentes

Casos comuns:

  • O Brasil adota regime de separação obrigatória em certos casamentos, enquanto outros países aceitam comunhão.

  • Países muçulmanos seguem regras religiosas obrigatórias de herança.

  • França e Alemanha limitam a liberdade de dispor de bens no testamento.

Ou seja: o que é válido em um país pode ser ilegal em outro.


2. Soluções Cotidianas com PPPI: Simples e Eficientes

2.1. Testamento Internacional Unificado

Você pode redigir um testamento válido internacionalmente, com base na Convenção de Haia de 1961 ou seguindo o modelo de testamento público brasileiro com reconhecimento no exterior.

Vantagens:

  • Reduz incertezas jurídicas

  • Garante a vontade do testador em diferentes países

  • Pode ser bilíngue e registrado em cartório e consulado

Dica prática: mantenha uma cópia digital segura e informe os herdeiros da sua existência.

2.2. Uso de Holdings Familiares

Criar uma holding patrimonial para concentrar ativos (imóveis, participações, investimentos) permite:

  • Organização centralizada dos bens

  • Planejamento tributário eficiente

  • Transmissão de cotas para herdeiros com economia de tempo e impostos

Exemplo funcional:
Holding em Portugal detém imóveis no Brasil e conta bancária na Europa.
Cotas são distribuídas em vida com cláusulas de usufruto e inalienabilidade.

2.3. Contratos entre Cônjuges e Regimes de Bens Ajustados

Casais binacionais devem formalizar:

  • Pactos antenupciais registrados nos dois países

  • Cláusulas claras sobre partilha de bens em caso de morte

Evite o erro comum de seguir apenas a legislação do país de residência.
É essencial adaptar documentos para respeitar regras de ambos os países envolvidos.


3. Planejamento Tributário Sucessório: Evite a Bitributação

3.1. Acordos internacionais nem sempre resolvem tudo

Embora o Brasil tenha acordos para evitar a bitributação sobre renda, não há tratados sobre herança. Ou seja, o mesmo bem pode ser tributado:

  • Pelo país do falecido (por causa da nacionalidade ou residência)

  • Pelo país onde o bem está localizado (ex: imóvel no Brasil)

Solução prática:

  • Antecipar doações em vida com cláusulas específicas

  • Usar estruturas legais (como Trusts ou Fundos fechados) que se adequem às regras fiscais locais

3.2. Exoneração de ITCMD e Impostos de Herança Estrangeiros

Alguns estados brasileiros (como São Paulo) reconhecem a não incidência do ITCMD em certas transmissões feitas por residentes no exterior — mas é preciso um bom planejamento jurídico e fiscal.

Já na Europa, países como:

  • Portugal têm tributação simbólica na herança

  • França aplica alíquotas de até 45%

  • Espanha depende da comunidade autônoma onde o bem se encontra

Ou seja: o planejamento é vital para reduzir a carga tributária sem infringir leis.


4. Cidadania, Residência Fiscal e Sucessão

4.1. Onde você mora nem sempre define a regra

Você pode:

  • Ter cidadania brasileira

  • Morar na Espanha

  • Possuir bens nos EUA

Em caso de falecimento, qual lei será aplicada?

A resposta depende de:

  • Nacionalidade

  • Último domicílio habitual

  • Regras locais sobre “lei pessoal” (personal law)

O PPPI entra justamente para organizar isso com clareza e evitar interpretações conflitantes entre países.

4.2. Evite surpresas com “herdeiros forçados” e limitações legais

Mesmo quem quer deixar todos os bens para um cônjuge ou um filho único, pode enfrentar obstáculos.
Exemplo: o Brasil e Portugal protegem herdeiros necessários.

Com PPPI bem feito, você pode:

  • Destinar a parte disponível conforme sua vontade

  • Proteger o cônjuge com usufruto vitalício

  • Reduzir conflitos familiares futuros


5. Check-list PPPI para Famílias Binacionais

✅ Faça um testamento válido nos dois países
✅ Formalize pacto antenupcial e regime de bens reconhecível
✅ Crie inventário digital com bens, senhas e acessos
✅ Use holding ou trust para centralizar patrimônio
✅ Planeje doações em vida com cláusulas restritivas
✅ Consulte tributaristas para evitar bitributação
✅ Avalie seu status de residência fiscal anualmente
✅ Tenha documentos com tradução juramentada e apostila de Haia


Conclusão

O PPPI não é apenas uma estratégia sofisticada para grandes fortunas. É uma necessidade real e cotidiana para famílias que vivem fora, investem em diferentes países e desejam proteger seu patrimônio e sua paz familiar.

Mais do que prevenir conflitos, um bom planejamento internacional:

  • Garante economia

  • Respeita as vontades do titular

  • Evita travas burocráticas entre diferentes jurisdições

Em um mundo cada vez mais conectado, planejar é cuidar. E, para famílias globais, é uma forma de amor e responsabilidade.

Ficou com alguma dúvida?

Compartilhe este Artigo

Facebook
X
LinkedIn
WhatsApp
Email
Foto de Jardson Barros

Jardson Barros

Jardson Barros é um advogado de destaque e sênior responsável pela gestão de atendimento ao cliente no escritório Leonardo Lacerda Advocacia Internacional. Com uma sólida formação acadêmica e um perfil que une competências técnicas e gerenciais, desempenha um papel central no desenvolvimento estratégico do escritório, oferecendo soluções jurídicas inovadoras e adaptadas às complexidades do ambiente tributário global.

Inscreva-se em nossa lista e receba nossos artigos periódicos.

plugins premium WordPress