Planejamento Patrimonial e Sucessório Internacional: A Importância da Escolha da Lei Aplicável na Sucessão de Bens no Exterior
O avanço da globalização e a facilidade de mobilidade internacional levaram muitas famílias brasileiras a diversificar seus ativos em vários países. Imóveis, investimentos financeiros, empresas e bens móveis espalhados pelo mundo tornam o planejamento sucessório cada vez mais complexo.
Nesse contexto, um dos aspectos mais importantes — e muitas vezes negligenciado — é a definição da legislação aplicável à sucessão patrimonial internacional. Escolher qual lei regerá a sucessão de bens situados no exterior é essencial para garantir segurança jurídica, evitar conflitos sucessórios, mitigar riscos de bitributação e proteger o patrimônio familiar.
Neste artigo, vamos analisar o papel central dessa decisão no Planejamento Patrimonial e Sucessório Internacional (PPPI), explicar como ela é feita, e apresentar as consequências práticas de sua escolha.
📌 O Conceito de Lex Successionis no PPPI
A chamada Lex Successionis é a legislação que regerá a sucessão hereditária, determinando:
Quem são os herdeiros legítimos
Qual a proporção da partilha de bens
Se há ou não necessidade de inventário judicial
Qual regime de tributação aplicável
No âmbito internacional, a Lex Successionis pode seguir diferentes critérios:
Lei do domicílio do falecido
Lei da nacionalidade
Lei do local de situação dos bens (lex rei sitae)
A ausência de um planejamento bem estruturado faz com que diferentes legislações possam se sobrepor, gerando conflitos jurisdicionais e incertezas na partilha de bens.
📌 Como a Legislação Brasileira Trata a Sucessão Internacional
De acordo com o artigo 10 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):
“A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que o falecido tinha domicílio, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.”
Exceção:
Para bens situados no exterior, a lei local poderá reger a sucessão desses bens, especialmente se houver previsão em tratados ou acordos bilaterais — o que, no caso brasileiro, ainda é restrito.
Isso significa que, sem um planejamento adequado, um mesmo inventário pode estar sujeito a:
Lei brasileira (para bens no Brasil)
Lei estrangeira (para bens no exterior)
Gerando divergências quanto a:
Ordem de vocação hereditária
Direito de cônjuges e companheiros
Quotas disponíveis e legítimas
Necessidade de autorizações judiciais
Tributação incidente
📌 Instrumentos Jurídicos para Definição da Lei Aplicável
✅ Cláusula de Eleição de Lei em Testamento
O principal meio de se definir a legislação aplicável à sucessão internacional é através de testamento, com inclusão de cláusula de eleição de lei, nos termos do artigo 22 do Regulamento Europeu de Sucessões (Regulamento nº 650/2012) — reconhecido e aceito em países da União Europeia.
Mesmo o Brasil não sendo parte desse regulamento, a jurisprudência brasileira, cada vez mais, tem reconhecido testamentos estrangeiros válidos quando não violam a ordem pública nacional.
Exemplo de redação:
“Declaro que desejo que minha sucessão, incluindo os bens localizados em Portugal e na França, seja regida pela lei brasileira.”
✅ Trust ou Holding Internacional
A constituição de Trusts ou Holdings permite antecipar e organizar a sucessão conforme a legislação da jurisdição onde estão registrados, evitando a aplicação de regras sucessórias de outros países e simplificando a transmissão patrimonial.
📌 Consequências da Escolha da Lei Aplicável
📌 Proteção de Herdeiros Legítimos
Em países que permitem a livre disposição dos bens (como EUA e Reino Unido), sem reserva obrigatória para herdeiros legítimos, a escolha da lei brasileira (que garante a legítima) pode proteger filhos e cônjuges.
📌 Facilitação Processual
Evita múltiplos processos de inventário e aplicação simultânea de legislações conflitantes, permitindo unificação da partilha sob a legislação escolhida.
📌 Eficiência Tributária
A escolha de uma legislação pode mitigar a bitributação e permitir o planejamento de regimes fiscais mais vantajosos, conforme as alíquotas e regras aplicáveis a heranças em cada país.
📌 Exemplos Práticos
Caso 1:
Brasileiro com bens no Brasil e em Portugal. Sem planejamento, o imóvel em Portugal seria regido pela lei portuguesa (que admite herdeiros necessários, mas com regras distintas). Com testamento elegendo a lei brasileira, assegura-se a legítima e evita-se interpretação diversa quanto à vocação hereditária.
Caso 2:
Empresário brasileiro com patrimônio nos EUA e nos Emirados Árabes. Optando pela constituição de uma holding em Dubai e testamento elegendo a lei dos Emirados, evita-se a incidência do imposto sucessório americano (que pode chegar a 40%) e simplifica-se a transferência de cotas societárias.
📌 Cuidados na Escolha da Lex Successionis
Verificar se a legislação eleita admite a escolha de lei estrangeira
Certificar-se de que a lei escolhida não afronta a ordem pública do país onde estão os bens
Definir de forma expressa em testamento ou documento societário
Compatibilizar essa eleição com o regime fiscal aplicável
Observar se os bens de natureza imobiliária admitem aplicação de lei estrangeira
📌 Conclusão
A definição da legislação aplicável à sucessão é um dos pontos mais críticos e estratégicos no Planejamento Patrimonial e Sucessório Internacional. Ignorá-la pode resultar em conflitos legais, tributação excessiva e frustração das intenções do titular do patrimônio.
Ao organizar seu planejamento internacional, é essencial contar com orientação especializada para estruturar testamentos, holdings, Trusts e contratos sucessórios, garantindo a aplicação da Lex Successionis mais favorável e a preservação do patrimônio familiar.